26/02/2024 09h00
Com sintomas e transmissão semelhantes aos da dengue, a febre Oropouche tem deixado o Amazonas em alerta, em 2024. Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), de 1º de janeiro até quinta-feira (22), o estado registrou 1.398 casos confirmados da doença, número três vezes maior do que foi registrado no ano passado, quando foram contabilizados 445 casos.
O cenário é ainda mais preocupante ao comparar com a estatística nacional. Em 2023, o Brasil teve um registro de 773 casos, dos quais 99% ocorreram na região Norte, conforme o Ministério da Saúde.
De acordo com o pesquisador da Fiocruz e especialista em vetores, Sérgio Luz, o mosquito Culicoides paraense, conhecido popularmente como maruim ou mêruim, é o principal transmissor do vírus que pode causar a doença. Na língua indígena Nheengatu significa mosca- pequena. Ele é 20 vezes menor que o aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya.
“Na literatura, o maruim é descrito como o melhor vetor desse vírus para os humanos. Entretanto, esse pequeno mosquito se cria mais em ambientes próximos à floresta, fragmentos de floresta ou até mesmo em quintal, onde a pessoa tenha muita terra. Mas na área urbana, ele não é muito presente”, explicou o especialista.
No Brasil, o Oropouche é considerado um dos mais importantes arbovírus (vírus transmitidos por picadas de mosquito), que infectam humanos na região amazônica. Além de ser a segunda doença febril mais frequente no país, ficando atrás somente de casos da dengue.
Os sintomas entre a dengue e a Oropouche são parecidos:
- Febre alta;
- Dores de cabeça, musculares e nas articulações;
- Calafrios, às vezes acompanhados de náuseas, vômitos;
- Erupção cutânea.
A FVS-AM explicou que a identificação dos casos confirmados de febre Oropouche ocorre a partir de diagnostico feito por meio de testagem de pacientes notificados e com resultados negativos para dengue.
A apresentação do dado de febre Oropouche ocorre de maneira segmentada, devido a necessidade de monitorar a circulação do vírus, informou a FVS-AM
No inicio de fevereiro deste ano, a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa) confirmou a primeira morte pela doença na capital. A vítima era uma adolescente de 15 anos que, de acordo com o órgão, teve um quadro de coinfecção, pois também estava com Covid-19. A dupla infecção foi confirmada em testes laboratoriais.
Em nota, a Semsa informou que a jovem possuía esquema vacinal completo contra o coronavírus, por isso, pelos critérios a causa básica doa morte não foi Covid-19. A secretária de saúde também reforçou que o vírus Oropouche teria apresentado uma forma grave com sintomas neurológicos na paciente.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), no início de fevereiro, a emitir um alerta epidemiológico sobre aumento de Oropouche nas região das Américas.
Maruim/Meruim
O mosquito faz parte do grupo hematófago, animais ou parasitas que se alimentam de sangue, e é muito comum na Amazônia e em toda a América, a partir do Canadá até a Patagônia, na Argentina.
Segundo o pesquisador da Fiocruz, o maruim, além de causar coceira, é um mosquito pequeno, quase imperceptível a olho nu. Diferente do aedes aegypti e do cúlex, o famoso pernilongo.
“A infecção ocorre porque o mosquito, no caso a fêmea, que precisa sugar sangue para fazer o desenvolvimento dos seus ovos e da sua prole. Então, elas sugam o sangue e acontece a transmissão. O vírus Oropuche tem alguns reservatórios, que são animais silvestres, que tem o vírus e não causa nada a eles e que eles podem se alimentar desses animais silvestres e trazer essa infecção para o homem”, disse Sérgio Luz.
Vírus descendente do interior do estado
De acordo com Felipe Gomes Naveca, pesquisador e chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o vírus atual que circula no Amazonas é descendente de um Orov que circulou no ano de 2015, no município de Tefé, interior do Amazonas.
“Nós tivemos um surto naquele ano, em Tefé, que foi detectado durante um estudo, no qual identificamos que muitos dos casos não eram de dengue, e sim, Oropouche. Assim, nós sequenciamos os casos, e quando comparamos com a linhagem que circula agora, nós conseguimos ver que esse vírus é descendente daquela linhagem”, afirmou Felipe Naveca.
O traço ancestral da doença surge após vários eventos sucessivos de rearranjo viral, no qual o pesquisador explica ser a união de duas linhagens diferentes infectando a mesma célula.
“O Oropouche tem um genoma segmentado, quero dizer, não é uma única fita de RNA, são três fitas de RNAs. Ou seja, quando você tem dois Oropouches diferentes infectando a mesma pessoa, e os dois vírus chegarem na mesma célula, você pode ter um novo vírus que não é nem o primeiro e nem o segundo, mas sim um novo rearranjo entre esses segmentos genômicos”, destacou Felipe.
A identificação surgiu após estudo feito para caracterização dos casos de Oropouche na Amazônia. A partir dali, foram analisadas 75 amostras coletadas nos estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2024.
Sintomas
Antes de ser diagnosticada com Oropouche, a profissional de serviços gerais, Creuza Ferreira Barbosa, de 69 anos, pensou que estivesse com gripe. Segundo ela, foram dois de internação pela doença na Policlínica da Redenção, em Manaus.
“No início, sentia muita dor de cabeça forte, e pensei que fosse gripe. Aí, começou o vômito e também diarreia, além de dor muito forte no estômago. Perdi a força e muita dor no joelho e nos pés. O meu olho ardia muito e não conseguia olhar para o tempo”, relatou.
Após os sintomas perdurarem por duas semanas, Creuza conta que a falta de paladar foi uma das consequências deixadas pela infecção.
“Eu fiquei tomando os medicamentos soro e os outros remédios, mas eu não me lembro mais quais foram porque eu estava muito fraca. E aí vim para casa me recuperar, mas não estou ainda recuperada porque eu perdi o paladar da comida e até hoje ele não voltou. Não sinto gosto de nada”, disse Creuza.
Em entrevista ao G1, o médico virologista e especialistas em arbovírus, Pedro Vasconcelos, esclarece que os sintomas do Oropouche dependem da forma clínica que o vírus se apresenta, embora, a princípio, seja comum nos infectados a manifestação de dor cabeça, febre, náuseas, vômitos, dores musculares, articulares.
Além disso, o vírus também pode acometer pessoas de forma leve, tendo essas apenas um quadro febril indiferenciado por um, dois dias, e depois a cura.
“Após a picada infectante, o período de incubação varia de dois a quatro dias, em média, podendo chegar a sete a dez dias, sendo mais comum entre três e quatro dias. Também há cefaléia, calafrios, dor retro-ocular, que as pessoas referem muito, como sendo dificuldade de mover os olhos”, reforçou Pedro Vasconcelos.
Questionado sobre a morte da jovem de 15 anos pela doença, em Manaus, o virologista comenta que, em casos mais graves, é comum que se desenvolva meningite e encefalite, assim acometendo o sistema nervoso central.
No entanto, considerando a literatura científica, essa seria a primeira morte por Oropouche em conhecimento da doença, já que, segundo Pedro Vasconcelos, embora haja um comprometimento inflamatório do sistema nervoso central, ainda sim, isso não compromete o seu funcionamento.
“O paciente tem, temporariamente, um comprometimento transitório, que pode, e geralmente vai evoluir, para cura, com o aliviamento dos sintomas. Muitas das vezes, a punção lombar, para confirmar a ocorrência de meningite, por si só, tirando um pouco do líquido raquidiano, você consegue tratar o paciente, porque alivia a pressão liquórica dentro do crânio, e, com isso, alivia os sintomas”, destacou.
Para Pedro Vasconcelos, a informação da morte pelo vírus, como a da adolescente de 15 anos divulgada pela Semsa, só poderia ser confirmada após uma necropsia.
A Semsa informou que seguiu as orientações do Ministério da Saúde, realizando exame laboratorial confirmando a morte. Mas a necropsia não foi feita, pois não faz parte da rotina de serviços da saúde pública da capital.
“A análise foi realizada seguindo os protocolos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), que atestam que a febre Oropouche foi a causa do óbito. A necropsia não ocorreu porque este serviço não integra a rotina de serviços da saúde pública na capital”, informou o órgão.
Tratamento
Como não há tratamento específico para o vírus e nem uma vacina que combata a doença, os infectados pelo mosquito devem fazer uso, prescrito por médico, de analgésicos e antitérmicos comuns.
Mas, no caso de suspeita de dengue, é necessário evitar todos, uma vez que os analgésicos e derivados do ácido salicílico podem causar hemorragia.
“A hidratação é muito importante, junto com o uso de antitérmicos, analgésicos, remédios para vômito e para aliviar as dores musculares”, explicou o virologista Pedro Vasconcelos.
De acordo com a Semsa e a FVS-AM, as medidas de prevenção também se estendem à população, pois essa exerce um papel fundamental no enfrentamento das arboviroses, identificando e eliminando os pontos com água parada nas residências e quintais.
“Sabemos que a maior parte dos criadouros está dentro das casas, e por isso pedimos aos moradores que inspecionem as áreas internas e externas de suas moradias, ao menos uma vez por semana, para eliminar potenciais criadouros e evitar a proliferação dos mosquitos”, orienta a secretária da Semsa Manaus, Shádia Fraxe.
Além disso, o combate à proliferação do Oropouche também inclui manter as caixas d’água bem tampadas, limpar calhas e ralos, guardar pneus em áreas cobertas, guardar garrafas e outros recipientes com a boca para baixo, encher de areia os pratos de plantas, amarrar bem sacos de lixo, evitar o acúmulo de sucata e/ou dejetos nos quintais, entre outros.