Em artigo publicado nesta Folha ( “Ensino superior e mundo do trabalho estão desconectados”, 5/6), os professores Oscar Hipólito e Gabriel Custódio abordam muito bem o agudo distanciamento entre o conteúdo ensinado nas escolas brasileiras (desde o ensino básico até o nível superior) e as competências exigidas no mercado de trabalho.
No citado artigo, são reveladas duas pesquisas esclarecedoras sobre o problema em foco: a primeira, da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), que mostra o brutal abismo de competências existente. Enquanto 62% dos recém-formados e 69% dos gestores acadêmicos indicam um alto grau de preparo na formação dos estudantes, apenas 39% dos empregadores consideram os alunos preparados para a profissão.
A segunda pesquisa, da prestigiada Korn Ferry junto a empregadores das 20 maiores economias do mundo, aponta para resultados extremamente preocupantes: em 2025, a falta de mão de obra qualificada será responsável pelo déficit de US$ 3,8 trilhões na produção mundial e chegará a US$ 8,5 trilhões em 2030. No Brasil, estima-se que o déficit de produtividade será de R$ 800 bilhões até 2030.
O cenário é lamentável já que o desemprego no Brasil caminha em níveis desanimadores: cerca de 12 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, encontram-se à procura de uma ocupação. E sabe-se que as empresas (indústria, comércio e serviços) estão ávidas por mão de obra qualificada, sobretudo diante da digitalização da economia. As instituições de ensino, portanto, deveriam cumprir seu papel vital no preenchimento desse buraco ocupacional, formando indivíduos capazes de desempenhar habilidades demandadas no mercado atual.
A Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais) estima que, diante da grande expansão do comércio eletrônico global (que deve crescer 55,3% nos próximos três anos), o déficit de profissionais de TI no Brasil deve chegar a 800 mil até 2025. A razão é que o ritmo e a qualidade de formação não acompanham a crescente demanda do mercado, isto é, faltam cursos técnicos, graduações e pós-graduações capazes de suprir tal necessidade.
Outro conhecimento que faz enorme falta no mercado é gestão financeira. No mundo de hoje, já não basta ter visão empreendedora e tino comercial. O amadorismo administrativo gera o seguinte cenário: o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que 80% das micro e pequenas empresas não chegam a completar o primeiro ano, e 60% fecham antes dos cinco.
Por isso, é fundamental que os empreendedores e seus colaboradores dominem as atuais práticas de gestão financeira, inclusive conhecendo os instrumentos digitais capazes de automatizar os processos administrativos de uma empresa, o que gera economia de recursos e precisão na análise da performance financeira e comercial da empresa.
Diante do problemático quadro supra apresentado, a educação básica brasileira, ainda pautada em uma grade curricular de antanho, deveria se voltar para conteúdos desprezados nos bancos escolares: primeiramente, desenvolver currículos focados em empreendedorismo, inovação e educação financeira.
Há um preconceito histórico acerca do ensino de educação financeira para crianças e jovens, como se o dinheiro fosse um artefato pecaminoso, capaz de desvirtuar o jovem. Esse pensamento é retrógrado e atrasa o desenvolvimento da sociedade! A desvirtude é justamente o jovem crescer sem o correto manuseio do dinheiro, sem saber poupar e/ou investir.
E caso este jovem queira empreender, opção para muitos brasileiros que não encontram emprego no mercado de trabalho, a falta de domínio da matemática financeira poderá facilmente levá-lo ao cenário apresentado acima, em que a esmagadora maioria das pequenas empresas fecham no primeiro ano de operação. Os indivíduos deveriam ser treinados para a construção de corretos planos de negócios já nos bancos do ensino básico, fundamental e médio. Deixar todo esse conteúdo para o ensino superior é um erro, pois no Brasil apenas 21% dos adultos com até 34 anos têm ensino superior, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Também é elementar que, dentro do campo do empreendedorismo, o jovem domine técnicas de vendas. Vender é uma ciência que exige estratégia, poder de síntese, convencimento, psicologia e o correto uso da linguagem verbal e escrita. E é certo: o desenvolvimento de uma exitosa carreira depende de o indivíduo saber vender (sejam ideias, produtos ou serviços).
Vender eletronicamente também é uma habilidade a ser dominada: antes, o cliente desestimulado consumiria na concorrência dirigindo-se fisicamente a outro endereço. Hoje, quando o cliente que não se encanta com determinada venda, basta dar um clique para mudar de loja ou prestador de serviço. São frações de segundos que determinam a venda e, com isso, a sobrevivência de um negócio.
Portanto, é cristalina a deficiência da educação brasileira diante das reais necessidade do mercado atual. Ou a educação em nosso país assimila o seu vital papel de propiciar a geração de riqueza através do conhecimento, ou continuaremos a patinar diante de um desastroso cenário de desemprego, empreendedores fechando seus negócios prematuramente e baixos índices de desenvolvimento socioeconômico.