Um dos principais confrontos entre nações europeias desde a segunda guerra mundial completa dois anos neste domingo (24). O conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia teve início após um extenso período de tensão entre os países. Em fevereiro de 2022, tropas russas invadiram a capital, Kiev, e outros territórios ucranianos em regiões tomadas por separatistas pró-Rússia.
O professor Alexandre Donato, especialista em geopolítica, explica que os primeiros indícios do confronto foram em 2014, a partir de uma guerra civil ligada a movimentos separatistas no leste da Ucrânia. O levante teria sido financiado pela nação liderada por Vladimir Putin. “Este leste ucrianiano sofreu, com o período da união soviética, um processo que nós chamamos de ‘russificação’; isto é, há bastante russos no território ucrianiano. Esse é um dos maiores problemas atualmente, inclusive na guerra: a quantidade de russos nesta região”, destaca.
Como resultado do apoio ao movimento separatista, a Rússia anexou o território da Criméia, uma península localizada ao sul da Ucrânia. “Essa anexação já demonstrava ao mundo, em 2014, que a Rússia não ia parar por aí”, aponta Donato.
O objetivo inicial da nação russa seria, de fato, a ocupação da região leste da Ucrânia, onde existe uma população etnicamente ligada ao país, inclusive que faz uso do mesmo idioma. O movimento contribuiu para legitimar a independência das regiões de Donbass e Luhansk. “Claramente o objetivo da Rússia é a anexação dessas duas áreas, porém ela não está satisfeita somente com isso. Ela avança, ainda em 2022, e o objetivo é a derrubada de Kiev “, completa o professor.
A Ucrânia conseguiu conter o avanço das investidas russas, mas com um custo militar elevado de aproximadamente 500 bilhões de dólares. “O problema hoje é manter a resistência ucraniana com o avanço da Rússia. Fazer com que a Rússia não consiga dominar novos territórios. Por isso a gente vê o Zelensky viajando, em vários eventos internacionais, tentando buscar mais patrocínio para tentar resistir por mais tempo”, aponta Donato.
De acordo com cientista político André Buna, doutorando em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o primeiro ano da guerra foi o mais movimentado, com um grande aporte financeiro por parte dos dois países. “O ‘grosso’ da guerra aconteceu ali entre fevereiro, novembro e dezembro, onde estiveram as principais conquistas – se a gente pode assim dizer – tanto de um lado quanto do outro. A primeira ofensiva russa tomou alguns territórios importantes, para lembrar da Crimeia. E depois a contra ofensiva, que foi promovida pela Ucrânia reavendo alguns territórios importantes”, relembra o especialista.
Atualmente, embora ainda esteja em aberto, a guerra apresenta um período de estagnação nas movimentações. “Continua ainda o conflito armado por terra e um conflito também aéreo, através dos drones. Isso acontece principalmente do lado russo, visto que a Ucrânia acaba necessitando de um financiamento externo para desenvolver ou para a compra desses equipamentos bélicos”, diz André.
Após a liberação de apoio financeiro da União Europeia, a Ucrânia aguarda agora a aprovação de um novo pacote de ajuda no Congresso Nacional dos Estados Unidos para manter os custos bélicos da guerra. Buna explica que, caso não seja liberado um novo montante, o país vai ficar em uma situação vulnerável frente ao rival. “Sem o aporte financeiro externo para financiar a guerra, a Ucrânia se vê sem alternativas financeiras que não sejam imprimir moeda ou tomar outros empréstimos a juros altíssimos, visto que não possuem mais garantias a ofertar. Sem reservas internas, pois foram em sua grande maioria despejadas no início do conflito para frear o ímpeto russo, a Ucrânia fica à mercê de ajuda externa do ‘bloco do ocidente’ para seguir na guerra”, frisa o especialista.
Desde o início da guerra, milhares de pessoas morreram e outras milhares ficaram feridas. O período causou perdas irreparáveis e inúmeros prejuízos. Além do setor social, tendo em vista que o início do conflito armado modificou toda rotina das pessoas que moravam na região, e afetou áreas, como: educação, saúde e demais atividades do dia a dia de uma população.
No quesito economia, a Ucrânia é responsável por uma considerável produção de fertilizantes agrícolas no mercado global, que acabou prejudicado pela guerra. “A gente tá falando de uma cadeia global de produção de alimentos que foi afetada e até hoje não se recuperou, não voltou para um patamar dito como normal em relação a sua produção e em relação, inclusive, aos valores praticados internacionalmente”, pontua Buna.
Além disso, o território ucraniano é detentor de uma rota de gás oculta, que foi motivo de grande preocupação de outras nações desde o início do conflito, dentre eles a Itália e a Alemanha, que não são auto suficientes na produção energética e dependem da produção de energia principalmente no período de inverno para atender a demanda de calefação das residências. “Na época, até se falava de uma mortandade muito maior, principalmente fora da Ucrânia e da Rússia, muito por conta de pessoas que morreram de frio nesses países”, recorda o cientista.
Dois anos depois, os especialistas dizem que é difícil definir o futuro do conflito e que essa é uma guerra de “desgaste” e que o apoio financeiro e bélico pode ditar os rumos da situação. “Tudo vai depender do apoio que o ocidente vai dar à Ucrânia. Sendo bem claro, se o ocidente parar a ajuda financeira à Ucrânia, ela não vai resistir mais à invasão russa e há possibilidade da Rússia anexar toda a Ucrânia”, diz o professor Alexandre Donato.