Nesta segunda-feira (29), após meio século, a Nasa voltará a lançar um foguete projetado para levar humanos à Lua. A missão Artemis 1 marca o primeiro passo para a retomada da exploração tripulada do espaço profundo pelos Estados Unidos, quase duas décadas após a agência espacial americana receber instruções para tanto.
Batizado de Space Launch System (Sistema de Lançamento Espacial), ou SLS, o foguete gigante (98 metros) é um misto de novidade com herança. Problemático, ele ao menos deixa agora de ser uma miragem. Se tudo correr bem, seus motores poderão ser ativados às 9h33 (de Brasília) numa escalada que o levará à órbita terrestre e depois, numa injeção translunar, impulsionando a cápsula Orion rumo à Lua.
A janela de lançamento nesta segunda dura duas horas. Caso não seja possível voar nesta data, há outras reservadas, nos dias 2 e 5 de setembro. Se passar disso, as coisas se complicam mais, em razão da certificação do dispositivo de autodestruição a ser ativado caso o foguete saia do curso previsto.
Dizer que há incertezas é ser gentil. A Nasa não lança um foguete desse tipo desde 1973, quando foi lançado o último Saturn 5, foguete responsável pelas primeiras expedições humanas à Lua, no programa Apollo. (Por sinal, na ocasião, ele serviu ao transporte de um laboratório orbital, o Skylab; o último voo lunar com um Saturn 5 ocorreu em dezembro de 1972, na derradeira missão Apollo 17.)
Ninguém que trabalhe na agência hoje estava lá. Além disso, o SLS passou por muitas dificuldades técnicas, programáticas e orçamentárias para chegar à plataforma 39B do Centro Espacial Kennedy, em Cabo Canaveral, Flórida, de onde deve subir ao espaço.
Entender o percurso é perceber que o novo foguete lunar da Nasa já nasceu velho e obsoleto, em parte porque sua gestação precisou atender a demandas políticas em detrimento de escolhas técnicas.
UM PASSO ATRÁS, DOIS À FRENTE
As escolhas feitas para o SLS parecem hoje absurdas: um foguete descartável baseado em tecnologias e métodos originalmente desenvolvido nos anos 1970 para um veículo reutilizável, a um custo exorbitante (entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões por voo) e com uma cadência de voos modorrenta (é razoável esperar um lançamento a cada dois anos, embora a Nasa diga que a frequência pode aumentar com o futuro).
O maior ícone dessa aparente loucura é o uso dos motores dos ônibus espaciais no novo foguete lunar. Veja bem: os quatro RS-25 que impulsionam o SLS neste primeiro voo não são meramente idênticos aos que eram empregados nos ônibus. Eles são os mesmos, desatarrachados de um veículo antigo em que eles eram usados de novo e de novo e plugados em outro em que, após apenas alguns minutos de uso, terminarão no fundo do oceano Atlântico.
Chega a espantar que algo assim possa ter ido adiante, mas não custa também lembrar que vivemos neste momento uma revolução na indústria espacial.
Estágios de foguete para voos orbitais não retornavam e pousavam suavemente até 2015, quando a SpaceX pela primeira vez demonstrou a capacidade com o seu Falcon 9. Desde então, a empresa de Elon Musk não só tornou a reutilização do primeiro estágio rotineira como também demonstrou o Falcon Heavy, um veículo de alta capacidade que não chega a ser tão poderoso quanto o SLS, mas consegue levar mais da metade da massa que seu rival público, por no máximo um vigésimo do custo.
E mesmo essa comparação empalidece diante do próximo veículo de alta capacidade da SpaceX. O Starship levará mais massa que o SLS, a uma fração do custo, 100% reutilizável e capaz de voar, pelo menos, dezenas de vezes por ano. É uma mudança de escala tão absurda que fará o programa Apollo, responsável por levar humanos à Lua entre 1968 e 1972, parecer uma brincadeira.
Por ora, contudo, o Starship ainda tem muito a provar, e o SLS está na plataforma de lançamento. Podemos ver a missão Artemis 1 como o ensaio não tripulado de um retorno “vitaminado” à era Apollo.
Embora o foguete em si, na sua primeira versão (há outras nas pranchetas, mas é duvidoso que se concretizem), seja menos capaz que o Saturn 5, a Orion voará mais longe que qualquer nave destinada a transportar humanos jamais foi, a quase meio milhão de quilômetros da Terra, numa órbita lunar distante.
Além disso, vai realizar o voo de espaço profundo mais longo de uma nave tripulada. A mais longa das missões lunares, a Apollo 17, durou pouco mais de 12 dias. A Orion do Artemis 1, se for lançada mesmo nesta segunda (29), poderá passar até 42 dias em espaço profundo. Será um ótimo experimento para medir o nível de radiação a que astronautas serão submetidos ao voar tanto tempo para longe da Terra.
Se tudo correr bem nessa longa jornada, o plano da Nasa é realizar a missão Artemis 2 com astronautas a bordo, em 2024 (embora 2025 já comece a parecer mais provável, mesmo com tudo mais indo à perfeição). Seria um voo semelhante, apenas orbitando a Lua, antes de voltar à Terra. O primeiro pouso estaria reservado à Artemis 3, possivelmente em 2026 ou 2027. Mas isso ainda pende pelo desenvolvimento bem-sucedido do Starship.
Pela primeira vez, além de vermos mulheres indo à Lua, teremos não americanos a bordo: os europeus, que desenvolveram o módulo de propulsão da Orion, têm direito a três assentos em futuras missões lunares Artemis. E logo ali na esquina, por volta de 2030, os chineses planejam realizar seu primeiro pouso lunar tripulado. Em resumo, muita gente deve ir à Lua nos próximos anos.
Tudo isso, claro, ainda é história do futuro. Mas a essa altura difícil seria imaginar que não estamos de fato na aurora de uma nova era de exploração lunar tripulada, após um hiato de meio século. Se a meteorologia e a telemetria ajudarem, começa nesta segunda (29).