Como uma pesquisa com duas mil pessoas pode estimar os votos de 156 milhões de eleitores? Como meu candidato aparece atrás nas pesquisas eleitorais se é capaz de arrastar multidões nas ruas? E por que os resultados das urnas nem sempre batem com o que indicavam essas sondagens?
Essas são algumas dúvidas que aparecem com frequência quando uma nova eleição se aproxima e as pesquisas de intenção de voto se multiplicam. É comum o tema gerar desconfiança e questionamentos, ainda mais de quem aparece mal posicionado na corrida eleitoral.
Ao contrário do que o senso comum pode sugerir, pesquisas eleitorais não servem para prever o resultado da eleição. O objetivo dessas pesquisas é apenas medir a intenção de voto no momento em que são feitas as entrevistas. Como o eleitor pode mudar de ideia até a hora de entrar na cabine de votação, nada garante que uma pesquisa feita meses, semanas, ou mesmo dias antes, terá o mesmo resultado que o computado pela Justiça Eleitoral.
Mas como pesquisas que entrevistam algumas centenas ou milhares de pessoas podem ser bons termômetro de como os eleitores estão pensando em votar?
Esse conjunto de pessoas entrevistadas é chamado de amostra. Para que esse grupo represente bem todo o universo de eleitores é preciso que ele reproduza a composição e a distribuição do eleitorado.
No caso do Brasil, a população é bastante heterogênea. Há diferenças, por exemplo, entre o perfil dos brasileiros que moram no Sul, no Nordeste ou em outras regiões do país. Há também diferenças entre os que são católicos, evangélicos, ateus ou seguem outras religiões, ou mesmo entre homens e mulheres, jovens e idosos, e também entre os que têm maior ou menor renda.
Dessa forma, para que uma mostra, por exemplo, de duas mil pessoas entrevistadas meça bem a intenção de voto dos eleitores é preciso que sua composição reflita essa heterogeneidade.
Por meio de dados oficiais, sabemos que mulheres são 53% dos eleitores e homens, 47%. Uma pesquisa precisa, portanto, não pode entrevistar 55% de homens e 45% de mulheres. É necessário seguir a distribuição de gênero da população brasileira na sua amostra.
No mesmo sentido, esse levantamento vai entrevistar muito mais pessoas no Sudeste do que nas outras regiões, porque ali se encontra a maior fatia do eleitorado brasileiro. Mas não basta que o instituto entreviste uma quantidade maior qualquer nesta região. A pesquisa do Instituto Datafolha de junho, por exemplo, informa que 43% das suas entrevistas foram feitas no Sudeste e, segundo o TSE, 42,6% dos eleitores aptos a votar vivem lá. Ou seja, a composição da amostra segue a composição do eleitorado.
Essa mesma lógica serve para determinar a proporção de jovens, adultos e idosos entrevistados, ou quantos brancos, pardos ou pretos serão ouvidos, etc.
Margem de erro
Agora, mesmo que a amostra esteja bem “misturadinha”, como explicou El-Dash, não é possível garantir que o seu resultado é um retrato exato da intenção de voto dos brasileiros.
Na verdade, se forem retiradas diferentes amostras de um mesmo universo, ainda que com as mesmas composições sócio-demográficas, seus resultados podem variar.
Segundo El-Dash, quanto maior a amostra, maior sua precisão para medir a opinião da população pesquisada (no caso das pesquisas eleitorais, o total de eleitores). Isso significa que levantamentos com amostras maiores têm margem de erro menor. No entanto, a partir de um determinado número de entrevistas, esse ganho de precisão, medido por uma fórmula matemática, já fica menos relevante.
“Uma amostra de mais de dois mil entrevistados, por exemplo, geralmente já não tem um custo benefício que vale a pena porque é caro fazer uma amostra maior e o ganho de precisão é pequeno”, diz ele.
Por que o resultado das urnas nem sempre bate com as pesquisas?
Ainda que a pesquisa realizada tenha seguido todos os padrões de excelência, mesmo assim seu resultado pode ser diferente dos votos computados pelas urnas — e isso não significa que a pesquisa “errou”.
Os especialistas explicam que a pesquisa eleitoral é um retrato do momento. Ela mostra qual seria o resultado provável caso a eleição ocorresse no mesmo período do levantamento. No entanto, como muitos eleitores mudam seu voto ou escolhem seu candidato apenas próximo ao dia da eleição, ou mesmo no próprio dia de votação, é esperado que os resultados das pesquisas se modifiquem ao longo da campanha e sejam diferentes do saldo das urnas.
“A pesquisa não tem o papel de antecipar o resultado eleitoral. A pesquisa eleitoral capta atitudes e as intenções de voto, não mede o comportamento do eleitor. Apenas as pesquisas de boca de urna (feitas no dia da votação, logo que as urnas fecham) podem ser comparadas com os resultados oficiais, pois estas estão medindo comportamento”, afirma Cavallari.
Embora as pesquisas não tenham a função de prever o resultado das urnas, elas costumam captar bem qual a tendência da evolução do voto. “Via de regra, observamos que os resultados oficiais são um ponto a mais nas curvas de tendência apontadas pelas pesquisas”, ressalta a diretora do Ipec.
Outro fator que explica as diferenças entre as pesquisas e o resultado oficial é o fenômeno do “voto útil”, em que as próprias pesquisas influenciam o rumo dos votos, ressalta Felipe Nunes, da Quest. Isso ocorre, por exemplo, quando eleitores que votariam no candidato A, mas rejeitam fortemente o candidato B, entendem pelas pesquisas que é o candidato C que tem mais chances de derrotar o B. Com isso, acabam migrando seu voto do A para o C.
“Se existe mudança de opinião de alguém que está prestes a se casar, muita gente abandonou o noivo ou a noiva no altar, por que o eleitor não poderia fazer a mesma coisa diante da urna? Ele tem intenção de votar em alguém, mas muda de opinião. Isso é normal”, diz Nunes.
“E o mais sério: as pessoas mudam de opinião baseadas nas pesquisas. Então querer que as pesquisas acertem é um exagero equivocado. Pesquisa serve para informar o eleitor. É a própria dinâmica da informação que faz com que as pessoas mudem de opinião”, reforça.
Para saber se uma pesquisa é confiável, portanto, não adianta comparar seu resultado com o saldo final das urnas. O que os especialistas recomendam é que o eleitor busque comparar pesquisas de diferentes institutos, pois a tendência é que pesquisas bem feitas por diferentes empresas mostrem cenários semelhantes nos rumos das intenções de voto.
Por outro lado, quando um instituto de pesquisa traz resultados muito “fora da curva” dos demais, aí é sinal de que algo pode estar errado no levantamento.